- Então? O que se passa?
Estás muito calada hoje. – Perguntou-me Mary, quando saímos da primeira aula. –
Discutiste outra vez com a tua mãe, foi?
Dirigi-mo-nos aos cacifos.
Respirei fundo, abrindo o meu.
- Porque é que tu me
conheces tão bem? – Murmurei. Ela sorriu, em resposta. – Hoje fazem dois anos
que o meu pai morreu, e ela nem se lembrou, e ainda teve a lata de me falar
sobre a festa desta noite. Mais uma a que ela me quer arrastar. – Contei,
enquanto colocava os livros da primeira aula no cacifo.
Ela colocou uma mão no meu
ombro, apertando-o ligeiramente e, quando ela ia dizer algo, alguém clamou:
- Kate!
Olho para traz.
- Eric! Olá!
Ele sorriu.
- Está tudo bem? Parecias
triste há pouco, na aula.
- Ah! - Murmurei, trocando
um olhar com a Mary. – Sim, só estou a ter um dia menos bom.
- Hum… - Ele olhou-me com ar
de desconfiado. – Tens alguma coisa combinada para depois das aulas? –
Perguntou-me, mudando de assunto.
- Não, porquê? – Respondi,
trocando um olhar com Mary, de novo.
- É que estou com umas
dúvidas na matéria de Matemática. Achas que nos podíamos encontrar, depois das
aulas, para me ajudares?
- Ah! Claro. A que horas?
Vi um sorriso formar-se no
seu rosto.
- Às três, no Mario’s?
- Ok. Lá estarei. – Sorri.
Ele continuava a sorrir.
De repente, vejo o seu rosto
aproximar-se do meu e a deixar um beijo na minha face. Começo a sentir o meu
coração a bater muito rapidamente.
- Então, até logo!
- Até logo! – Murmuro, em
resposta.
Quando ele se afastou, levei
a mão ao rosto, acariciando com a ponta dos dedos, o sítio onde ele tinha deixado
o beijo. O meu coração continuava acelerado.
- Uau! O que foi isto? –
Ouvi Mary dizer. – Kate?
- Hã? O que foi? – Murmurei,
acordando daquele pequeno “transe”.
- Ui! Não me digas que já
estás apanhadinha por ele?
- O quê? Por quem? –
Perguntei, fechando o cacifo.
- Pelo Eric, Kate!
- Áh! Não, claro que não.
- Pois, mas parece. Ficaste
toda derretida, quando ele te deu aquele beijo.
- Não fiquei nada.
Ela riu-se.
- Então porque estás a
corar?
- Oh! Porque… - Nesse
momento, o toque de entrada suou, salvando-me das explicações. – Olha, vamos
mas é para a aula. – Proferi, começando a caminhar.
- Ok, mas não penses que
esta conversa fica por aqui.
- Sim, mamã… - Murmurei,
sorrindo e revirando os olhos.
Estacionei a scooter à frente do Mario’s, do outro lado da estrada, por volta das 15h05. A esplanada
estava cheia. Apesar de se sentir uma aragem gelada na rua, o Sol resplandecia,
quente e acolhedor.
Atravessei a rua e galguei o
pequeno gradeamento de ferro que protegia a esplanada. Entrei dentro do estabelecimento
e olhei em volta, em busca de Eric. Caminhei até ao balcão, onde se encontrava
Mario, o dono do negócio ao qual dera o seu nome; um homem nos seus quarenta e
poucos anos, com uns quilinhos a mais e um bigode negro, da qual ele se
orgulhava muito.
- Olá, Mário! – Cumprimentei-o,
sorrindo. – Por acaso não sabe se o Eric já está por aqui?
- Sim, sim! Chegou á uns
minutos. Está ali, naquela mesa do canto. – Respondeu-me, sorrindo, e apontou
para o sitio que estava a falar.
Olhei nessa direção. Lá
estava ele, sentado numa pequena mesa quadrada, de madeira, encostada à parede
de tijolo, concentrado nos livros.
- Obrigada. – Disse eu,
sorrido.
- De nada, querida. Olha,
queres alguma coisa?
- Hum… Pode ser um café,
obrigada.
- Está bem! Já vou levar.
Assenti e caminhei até àquela
mesa, parando em frente a ele.
- Olá! – Murmurei.
Ele olhou para cima e o seu
rosto pareceu iluminar-se. Eu sorri.
- Oh! Olá! Senta-te.
Sentei-me, retirando os
livros de matemática da mala.
- Estou muito atrasada? –
Perguntei.
- Não, eu também só cheguei à uns minutos. – Respondeu ele, dando uma olhadela ao relógio.
Eu assenti.
Passado uns minutos, o meu
café chegou, a fumegar numa chávena de chá redonda.
- Então? Em que tens
duvidas? – Perguntei, bebericando um pouco do meu café.
- Ah! Bem, na matéria do T.P.C.,
não percebo nada. – Respondeu-me, coçando a cabeça.
- Ok. Então vamos fazê-lo em
conjunto, para ser mais fácil.
Ele assentiu, mirando-me com
os olhos a brilhar.
- Ora, então vamos lá. –
Murmurei, abrindo o caderno e sorrindo mais uma vez.
Uma hora e meia depois, fechámos
os livros e decidimos pedir alguma coisa para comer. Um prato de crepes,
enrolados em triângulo, recheados com compota de morango, foi o que escolhemos,
para partilhar.
- Então, vais contar-me o
que tinhas esta manhã? – Perguntou-me ele, a certa altura.
- Hum… - Murmurei, limpando
os lábios com o guardanapo.
- Bem, se não quiseres
contar não faz mal, estás no teu direito. – Apressou-se a dizer, encostando-se
na cadeira.
- Não, eu quero contar. –
Proferi, colocando a mão no seu antebraço, retirando-a rapidamente a seguir.
- Ok. – Ele assentiu,
recostando-se na cadeira.
Olhei-o nos olhos. Eram tão
bonitos e…sinceros e acolhedores, estranhamente acolhedores. Fizeram-me sentir
que podia contar-lhe tudo… E contei.
A meio da história ele
arrastou a cadeira para mais perto de mim, segurando a minha mão. Quando acabei
de falar, deixei escapar uma lágrima, imediatamente limpa pelo dedo gordo de
Eric.
- Desculpa. Murmurou,
deixando ficar a mão no meu rosto.
- Porquê? – Perguntei,
olhando-o nos olhos.
- Porque não estive lá
quando mais precisaste, porque te ignorei e desprezei, em vez de te ajudar.
- Não, tu não me desprezaste,
só de olhares para mim sem ser com pena, já me estavas a ajudar.
- O quê?
- Ao contrário de todos os
que me ignoravam, tu não me olhavas com pena, só me transmitias força, era como
se me estivesses a dizer que compreendias o que eu estava a sentir.
- A sério?
Eu assenti. Um pequeno
sorriso apareceu nos seus lábios. A sua mão continuava no meu rosto. Vi os seus
olhos baixarem para os meus lábios. Entreabri os lábios, suspirando
ligeiramente. O seu rosto ia aproximando-se, mas, quando estava quase a
beijar-me, o meu telemóvel começa a tocar. Eu baixo a cabeça… E ele encosta a
sua à minha.
Tiro o telemóvel da mala e
olho para o ecrã. “Tio Martin”.
- Ah! Importaste que eu atenda?
– Pergunto, apontando para o telemóvel.
- Não, claro que não. Estás à
vontade. – Respondeu-me Eric, que já se encontrava no seu lugar original.
Assenti, deslizando o botão
verde para a direita e colocando o telemóvel no ouvido.
- Olá, tio!
- “Olá, Katie!”
Eu sorri.
- “Como estás, querida?”
- Bem, dentro dos possíveis.
- “Hum… Olha, cheguei agora
ao cemitério, porque não vens ter comigo, para falarmos?”
- Mas tu estás na vila?
- “Sim, cheguei na hora do
almoço. Então? Vens ter comigo ou não?”
- Ah! Sim, claro. Estou aí
em 15 minutos.
- “Está bem! Então, até já!”
- Até já, tio!
- Era o irmão do teu pai? –
Perguntou-me Eric, assim que desliguei.
- Não, era o melhor amigo e
um grande amigo para a família. Ajudou-me muito, quando o meu pai morreu. –
Guardei o telemóvel na mala, assim como os livros. – Bem, tenho de ir andando. -
Anunciei, levantando-me.
Ele levanta-se também.
- Obrigada por me teres
ouvido. – Disse eu.
- Eu é que agradeço, por
teres confiado em mim. – Respondeu ele.
Eu sorri.
Por momentos, congelámos,
ali, os dois, a olhar-nos, profundamente, até que eu, por fim, “acordo”.
- Bem, tenho mesmo de ir. –
Anuncio, mais uma vez, ajeitando a mala no meu ombro. – Até amanhã!